Matéria portal G1
Ícone da
Independência, rio Ipiranga corre poluído e vira ponto de drogas
Nascente e
pequeno trecho ainda são preservados no Jardim Botânico.
Mas quando deixa o parque, esgoto e canalização destroem suas águas.
Mas quando deixa o parque, esgoto e canalização destroem suas águas.
Giovana
Sanchez Do G1 SP
35
comentários
Trecho do rio
em frente ao monumento (Foto: Flávio Moraes/G1)
Em frente ao
Monumento da Independência, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, um
cheiro podre toma o ar. Quem se aproxima do local onde D. Pedro I deu o grito da
nossa “libertação” para ver de perto o famoso riacho citado no hino nacional,
encontra um cenário triste: sujeira, mal cheiro e meninos fumando crack no que
sobrou de suas “margens plácidas”. Cento e noventa anos depois da Independência,
esse é o estado do riacho do Ipiranga em seu lugar mais
nobre.
Segundo a
Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), a qualidade da água deste
ponto específico do rio foi avaliada como “péssima” em medições feitas em
janeiro, em maio e em julho deste ano. Em todos os seus 9,5 km de extensão pela
cidade, só há um ponto em que ele é realmente limpo: em sua nascente, no Jardim
Botânico.
galeria
Lá, uma trilha
de 20 minutos construída no meio de uma reserva da mata atlântica leva a uma das
três fontes que formam o rio. Limpo e com peixes, ele segue a céu aberto até o
final do parque, quando encontra outros dois córregos na cidade e começa a
receber o esgoto e a sujeira que o poluem.
“Depois da
descanalização, a visitação [no Jardim Botânico] aumentou bastante”, conta Tânia
Cerati, diretora do núcleo de pesquisa em educação do Instituto de Botânica.
Quando ela chegou ao Jardim, há 20 anos, o riacho era tampado com um concreto,
obra provavelmente do começo do século XX. O acesso à uma de suas nascentes era
um projeto de Tânia, concretizado em 2006. Dois anos depois, ele foi todo
revitalizado, e hoje o paisagismo do parque acompanha suas águas. “Acho que aqui
é um bom exemplo de que é possível restaurar a natureza e com isso compensar
vários erros que cometemos no passado”, diz ela.
‘Mas esse rio
não tinha secado?’
Saindo do Jardim Botânico, no entanto, o riacho praticamente morre. Passando pela Rodovia dos Imigrantes, às vezes sob galerias fechadas e às vezes a céu aberto, suas águas recebem esgoto e são praticamente irreconhecíveis por quem passa ao redor.
Saindo do Jardim Botânico, no entanto, o riacho praticamente morre. Passando pela Rodovia dos Imigrantes, às vezes sob galerias fechadas e às vezes a céu aberto, suas águas recebem esgoto e são praticamente irreconhecíveis por quem passa ao redor.
Tatu passa
sobre água de uma das nascentes
(Foto: Flavio Moraes/G1)
(Foto: Flavio Moraes/G1)
O G1
percorreu a Avenida Abraão de Morais em diversos trechos e apenas um pedestre -
nenhum motorista - sabia que no meio daquele buraco acimentado no canteiro
central corria o famoso rio Ipiranga. Em outras partes da cidade, algumas
pessoas não sabiam nem que o riacho ainda existia. “Mas esse rio não tinha
secado?”, perguntou uma moradora da Zona Sul.
A relação das
pessoas com o riacho do Ipiranga é quase inexistente. Para Tânia Cerati, isso se
deve muito ao fato de ele correr seco, sem mata ao redor, entre grandes
avenidas. "Uma parte dele é canalizada, e, portanto, imperceptível. Mas a partir
de um determinado trecho, ele é descanalizado, corre a céu aberto. Só que tem um
grande problema: existem avenidas que percorrem a lateral desse rio. Não basta
só a descanalização, é preciso ter um rio que tenha qualidade boa da água. Isso
vai trazer peixes, vai trazer uma flora e uma fauna associadas. Também nas
margens é preciso criar um ambiente propício, aquilo que chamamos de mata
ciliar. É isso que dá suporte à existência do rio, e é isso que torna agradável
a convivência das pessoas com o rio”, explica ela.
A historiadora e
professora da USP Cecília Helena Salles Oliveira diz que a relação do brasileiro
com o riacho do Ipiranga é "dupla". "Por um lado, há o reconhecimento de que é
um lugar diferente, porque estas paragens simbolizam o nascimento de uma nação.
[...] Mas por outro lado, é profundo desalento, porque o riacho está muito sujo,
recebe águas servidas, nas épocas de grandes chuvas ele alaga, continua
alagando.”
Imagem de
negativo de vidro mostra o riacho do Ipiranga na região onde hoje é o Monumento
à Independência. No detalhe, uma mulher lava roupas. Não há informações sobre a
data exata da imagem, mas sabe-se que foi feita antes das obras do Monumento, na
década de 1920 (Foto: Acervo do Museu Paulista da USP/José Rosael / Hélio
Nobre)
'Supervalorizado'O Ipiranga tem,
e sempre teve, um volume pequeno de água - e por isso é comumente chamado de
riacho. Seu uso na história do Brasil nunca foi muito relevante, e sua fama se
deve principalmente ao fato de estar ligado à Independência do país. Essa tese
foi defendida na dissertação de mestrado do historiador e pesquisador do Arquivo
Nacional Pablo Endrigo.
Ao G1,
ele disse que o riacho era inexpressivo até a Independência e que a primeira
menção a ele nos documentos oficiais data de 1773 - uma tentativa de canalização
que nunca aconteceu. "O uso do rio era pelos tropeiros em viagens entre São
Paulo e o porto de Santos, passando pela Serra do Mar. Usavam [o rio] para beber
água, lavar as botas. [...] O Ipiranga esteve em uma região praticamente
desabitada. Ele é mais valorizado do que deveria pelo seu tamanho e
uso."
Inscrição de
apologia à maconha é vista em uma
das pontes que sobrepõem o riacho em frente ao
Monumento da Independência, em agosto de 2012
(Foto: Giovana Sanchez/G1)
das pontes que sobrepõem o riacho em frente ao
Monumento da Independência, em agosto de 2012
(Foto: Giovana Sanchez/G1)
Segundo o
historiador, a fama do rio foi crescendo com o hino nacional e com a pintura do
quadro de Pedro Américo - que, ao retratar a Independência, faz um desvio
topográfico deixando o riacho à frente de D. Pedro I, quando na realidade ele
estaria atrás. Depois, veio a construção do Museu e do Monumento à
Independência."Aí você tem a associação final: a imagem, o hino e a situação
histórica."
Projetos (e
paulistanos) frustrados
Embora não seja de muito uso pela cidade, a não ser para receber dejetos, o riacho tem um papel histórico para o país. O fato de estar poluído há tantos anos irrita muitos moradores da capital, que já tentaram se mobilizar para mudar a situação.
Embora não seja de muito uso pela cidade, a não ser para receber dejetos, o riacho tem um papel histórico para o país. O fato de estar poluído há tantos anos irrita muitos moradores da capital, que já tentaram se mobilizar para mudar a situação.
O professor de
engenharia da USP Sadalla Domingos é um dos autores de um projeto de limpeza e
revitalização do riacho, que cria um parque linear desde a Rodovia dos
Imigrantes até o Parque da Independência. Sadalla apresentou o projeto à
Prefeitura da cidade em 2005, mas não recebeu nenhuma resposta. Segundo ele,
falta vontade política.
"Como é possível
que um símbolo histórico do Brasil tenha chegado a este grau de poluição? Além
disso, qual é a expectativa em relação ao Riacho do Ipiranga e a todos os outros
rios, e por que não ampliar a questão: qual é o ambiente de cidade que
desejamos?", questiona o professor, indignado.
Outro entusiasta
do projeto, o professor de direito ambiental da PUC Guilherme José Purvin criou
um fórum de debates sobre uma possível revitalização do Riacho e a criação de um
parque ao seu redor. "O rio está morto, completamente morto. Se você for na
[Avenida Dr] Ricardo Jaffet, aquilo está num estado deplorável. [...] Acho meio
vergonhoso. Uma professora leva os alunos para conhecer o lugar da independência
e é uma região que tem desmanche e motel", diz ele.
Professor
Domingos: 'Qual é o ambiente de cidade
que desejamos?' (Foto: Giovana Sanchez/G1)
que desejamos?' (Foto: Giovana Sanchez/G1)
A reportagem do
G1 percorreu o trajeto do riacho, da nascente até o desague, no rio
Tamanduateí, e encontrou sujeira e mal cheiro em todo o caminho - a partir da
saída do Jardim Botânico. Em três dias diferentes, pôde ver jovens usavando
drogas nas magens que ficam em frente ao Monumento da
Independência.
Procurada pelo
G1, a Prefeitura de São Paulo informou que desde 1986 foram realizadas 12
obras na região, que contribuíram para diminuir o problema das enchentes. As
últimas obras quase dobraram a vazão do córrego e aumentaram de 9 para 13 metros
sua largura. "Além disso, as galerias e o sistema de drenagem foram substituídos
e ampliados, aumentando o fluxo de escoamento da água", dizia a nota. As
Subprefeituras Ipiranga e Vila Mariana também informam que a limpeza no córrego
do Ipiranga é realizada mensalmente de forma manual e, em alguns trechos, com
ajuda de máquinas.
A Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) informa que concluiu, em
julho deste ano, uma obra na região - parte da terceira fase do Projeto Tietê.
Segundo a assessoria de imprensa do órgão, os investimentos foram de R$ 51,6
milhões e permitiram que 380 litros de esgoto por segundo vindos dos bairros
Ipiranga, Vila Mariana, Saúde, Bosque da Saúde, Cursino, Jabaquara e
Americanópolis seguissem para tratamento na estação de
Barueri.
Ainda de acordo
com a Sabesp, as medições feitas desde o término da obra mostram uma melhoria na
qualidade da água do riacho do Ipiranga. No entanto, o último resultado da
coleta feita pela Cetesb, de julho, mantém a indicação de qualidade
"péssima".
Futuro
"O riacho do Ipiranga pode e deve ser recuperado como uma prioridade entre todos os rios da cidade. [...] Isto é renaturalização de corpos d'água em áreas urbanas, uma tendência em todos os países: rios são despoluidos e destampados pelo menos em alguns trechos que permitam aos cidadãos perceber que tem um rio sob seus prédios, rodas e pés. É aqui que entra a política não só como interpretação do momento, mas como intuição, uma premonição até, para tomar uma decisão hoje como antecipação de uma demanda que será inevitável e muito mais cara ou até impossível [no futuro]", explica o professor Sadalla.
"O riacho do Ipiranga pode e deve ser recuperado como uma prioridade entre todos os rios da cidade. [...] Isto é renaturalização de corpos d'água em áreas urbanas, uma tendência em todos os países: rios são despoluidos e destampados pelo menos em alguns trechos que permitam aos cidadãos perceber que tem um rio sob seus prédios, rodas e pés. É aqui que entra a política não só como interpretação do momento, mas como intuição, uma premonição até, para tomar uma decisão hoje como antecipação de uma demanda que será inevitável e muito mais cara ou até impossível [no futuro]", explica o professor Sadalla.
Ele termina a
entrevista expressando um desejo, quase uma profecia, em nome de muitos
brasileiros: "Antecipemos o início das programações do bicentenário da
Independência e iniciemos no Ipiranga a limpeza de todas os nossas
águas."
Fim de tarde de
agosto em frente ao Monumento da Independência, no bairro do Ipiranga (Foto:
Giovana Sanchez/G1)
Para ler mais
notícias do G1 SP, clique em g1.globo.com/sp. Siga também o G1 SP
no Twitter e por RSS.
Nenhum comentário:
Postar um comentário